Peliano costuma brincar que a poes-ia e foram os poetas que a trouxeram de volta! Uma de suas invenções mais ricas é conseguir por em palavras lirismos maravilhosos, aqueles que percebemos de repente e temos a impressão que não vamos conseguir exprimi-los. Exemplos: de Manoel de Barros -"Deixamos Bernardo de manhã em sua sepultura. De tarde o deserto já estava em nós"; de Ernesto Sabato - "Sólo quienes sean capaces de encarnar la utopía serán aptos para ... recuperar cuanto de humanidad hayamos perdido"; de Thiago de Mello - "Faz escuro mas eu canto"; de Helen Keller - "Nunca se deve engatinhar quando o impulso é voar"; de Millôr Fernandes - "Sim, do mundo nada se leva. Mas é formidável ter uma porção de coisas a que dizer adeus". É como teria exclamado Michelangelo que não fora ele quem esculpiu Davi, pois este já estava pronto dentro da pedra, Michelangelo apenas tirara-o de lá. Então, para Peliano, o lirismo é quando nos abraça o mundo fora de nós, cochicha seu mistério em nossos ouvidos e o pegamos com as mãos da poesia em seus muitos dedos de expressão.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

William Shakespeare

Sonetos*

18.
- Comparar-te com um dia de verão?
Tens mais doçura e mais amenidade:
Flores de maio, ao vento rude vão
Como o estio se vai com brevidade:
O sol às vezes em calor se exalta
Ou tem a essência de ouro sem firmeza
E o que é formoso, à formosura falta,
Por sorte ou por mudar-se a natureza.
Mas teu verão eterno brilha a ver-te
Guardando o belo que em ti permanece.
Nem a morte rirá de ensombrecer-te,
Quando em verso imortal, no tempo cresces.
   Enquanto o homem respire, o olhar aqueça,
   Viva o meu verso e vida te ofereça.

64.
Vendo que a mão do Tempo desfigura
a tão rica altivez dos dias idos,
Que jaz a torre em terra, das alturas
Caída, ou o bronze eterno destruído;
Vendo que o mar faminto um dia ganha
Parte ao reino da praia a quem vem dar
E no outro, o solo a àgua lhe arrebanha
E ganha à perda e perde por ganhar;
Vendo que é tão comum mudar-se o estado,
Que o próprio estado lembra uma ruína,
Eis que a ruína me tem ensinado
Que o tempo leva o amor e o amor termina.
   Pensá-lo é dor mortal - pois só nos cabe
   O Bem que nós tememos logo acabe.

66.
Cansado disso tudo, a morte exijo;
De ver o mérito nascido pobre
E a nulidade posta em regozijo
E a fé mais pura que a traição recobre
E a honra de ouro em vergonha aviltada
E a virtude de virgens posta à venda
E a perfeição, num erro, desgraçada
E a força ao coxo ceder na contenda
E a autoridade amordaçando a arte
E o tolo, doutoral, deitar saberes
E a verdade escarnida ao dar-se em partes
E o Bem cativo aos pés de vis poderes:
   Cansado disso tudo eu me finasse
   Se ao meu amor sozinho não deixasse.

(* tradução de Jorge Wanderley)

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