Peliano costuma brincar que a poes-ia e foram os poetas que a trouxeram de volta! Uma de suas invenções mais ricas é conseguir por em palavras lirismos maravilhosos, aqueles que percebemos de repente e temos a impressão que não vamos conseguir exprimi-los. Exemplos: de Manoel de Barros -"Deixamos Bernardo de manhã em sua sepultura. De tarde o deserto já estava em nós"; de Ernesto Sabato - "Sólo quienes sean capaces de encarnar la utopía serán aptos para ... recuperar cuanto de humanidad hayamos perdido"; de Thiago de Mello - "Faz escuro mas eu canto"; de Helen Keller - "Nunca se deve engatinhar quando o impulso é voar"; de Millôr Fernandes - "Sim, do mundo nada se leva. Mas é formidável ter uma porção de coisas a que dizer adeus". É como teria exclamado Michelangelo que não fora ele quem esculpiu Davi, pois este já estava pronto dentro da pedra, Michelangelo apenas tirara-o de lá. Então, para Peliano, o lirismo é quando nos abraça o mundo fora de nós, cochicha seu mistério em nossos ouvidos e o pegamos com as mãos da poesia em seus muitos dedos de expressão.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Salomão Souza

Poemas sem nome *


Ainda que não fossem
as cicratizes nas mãos
os diluídos ossos
levantados dos fósseis
ainda seria o coldre
a montanha escorregadia
um pouco a cada dia
as pedras sobre o coração
Ainda existiria o instante
tangível da memória
o gume germinador
de estrelas e de espigas


Ainda que não venha nenhum barco
e bruma alguma traga a carga de lenha
Ainda que o barqueiro venha louco
e todo o aço da certeza afundará
Ainda que o vento atormente com fúria
e vá a madeira polida afundar-se
Ainda que a carga seja a lâmina
com o colo certo de degolar
Ainda que na porta anunciem
que a florada do dia irá muchar-se
Ainda que seja um vasto mar
e a alma em deleite vá secar-se
Ainda que o mar seja uma rocha
e no deserto o coração vá navegar

Ainda assim o faroleiro acenderá


A fornalha acredita
no atiçamento de todas as certezas
Anda com o conhecimento do fogo
e de todas as pátrias que o reverencia

E de repente não há fogo definitivo

(*poemas extraídos de Estoques de Relâmpagos, Bárbara Bela Editora Gráfica, Brasília, 2002)

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