Peliano costuma brincar que a poes-ia e foram os poetas que a trouxeram de volta! Uma de suas invenções mais ricas é conseguir por em palavras lirismos maravilhosos, aqueles que percebemos de repente e temos a impressão que não vamos conseguir exprimi-los. Exemplos: de Manoel de Barros -"Deixamos Bernardo de manhã em sua sepultura. De tarde o deserto já estava em nós"; de Ernesto Sabato - "Sólo quienes sean capaces de encarnar la utopía serán aptos para ... recuperar cuanto de humanidad hayamos perdido"; de Thiago de Mello - "Faz escuro mas eu canto"; de Helen Keller - "Nunca se deve engatinhar quando o impulso é voar"; de Millôr Fernandes - "Sim, do mundo nada se leva. Mas é formidável ter uma porção de coisas a que dizer adeus". É como teria exclamado Michelangelo que não fora ele quem esculpiu Davi, pois este já estava pronto dentro da pedra, Michelangelo apenas tirara-o de lá. Então, para Peliano, o lirismo é quando nos abraça o mundo fora de nós, cochicha seu mistério em nossos ouvidos e o pegamos com as mãos da poesia em seus muitos dedos de expressão.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Leonardo Fróes

 

Introdução à arte das montanhas

Um animal passeia nas montanhas.
Arranha a cara nos espinhos do mato, perde o fôlego
mas não desiste de chegar ao ponto mais alto.
De tanto andar fazendo esforço se torna
um organismo em movimento reagindo a passadas,
e só. Não sente fome nem saudade nem sede,
confia apenas nos instintos que o destino conduz.
Puxado sempre para cima, o animal é um ímã,
numa escala de formiga, que as montanhas atraem.
Conhece alguma liberdade, quando chega ao cume.
Sente-se disperso entre as nuvens,
acha que reconheceu seus limites. Mas não sabe,
ainda, que agora tem de aprender a descer.

Ambições de assombrações

Incertos os galhos tortos, você
vê, armam-se como esqueletos
de silenciosa e fria carnadura
como se, no escuro, de cada galho
surgissem numerosas pessoas
vendo você observá-las na sua
desabitada languidez vegetal
de pessoas nuas resinosas
querendo corporificar sem poder
gestos aflitos, ritos solitários
músicas de imperceptível tremor
e, naturalmente, a semente da morte
inoculada por cada criatura
no seu próprio olho desmesurado.

Estar estando

A impressão de estar, o lento
espanto que se repete. Aqui e onde, eis como
povôo ao mesmo tempo dois espaços
ou, mais que isso, passo a noite inteira
vivendo as sensações de um fragmento
que me é próprio, ou é-me o corpo todo,
e de repente vai sem deixar marca
entre o que foi e o há de ser. Deslizo
nessa fronteira vã que não separa
nada e ninguém, passado nem presente, simples
e uniforme
faixa de areia da qual jorram palavras,
visões, retratos, intenções. É sempre agora
e nunca, sempre sono e manhã, sempre uma coisa
que num jogo dual se nulifica
para sobrar de nós sempre esse caldo
de frustração e medo - ou de esperança.

Dia de dilúvio

Quando chove assim tão seguidamente na serra
e começa a pingar água na casa e a goteira
cresce e a pia entope e alaga o chão,
quando não cessa esse barulho insistente
de água penetrando em tudo e rolando,
sinto uma desproteção total violenta
e eu mesmo sendo dissolvido também
nessa casa alagada, não me acho
enquanto solidez: vou flutuando
como onda inconstante na correnteza.

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