[de noite, encostado à parede]
de noite, encostado à parede,
sentia uma força a penetrar-lhe
nas mãos, um murro espalhando-se
pela carne, afastava
os móveis, e lançava
contra o soalho as estrelas
que lhe saíam dos bolsos.
Acendalhas
Era como fechar o dia com as acendalhas, junto ao coração
quase deserto. As mais simples palavras entravam em
desgoverno, a sombra das tuas mãos cobria quase metade da
terra. A meio da sala alguns pratos, incenso, a luz azul do
computador, o sentimento ainda selado por atilhos,
cordames, a música repetia-se cadenciada no cenário
desastrado. E o sol, que desaparecera, e Vénus, que brilhava,
ardiam um no outro como troféus do coração.
Polaroid
Pela tarde o céu a terra
e mesmo tu formam uma densa pasta
de nuvens.
Recordo a tua boca, as tuas pernas
em arco sobre o penedo quente.
Os poços entram em colapso,
o verão arrasta multidões
para as ravinas do lugar comum.
O chapéu descaído
protege-te os olhos
que se movem com translúcido torpor.
Agora que passaram séculos
sobre esse único beijo estou
sem vontade de fingir
a relutância
do meu desejo. Esta polaroid, já seca,
encena também a minha morte.
No parque da cidade
O parque desce sob o meu olhar
instável desce para o lago
onde florescem latas de cerveja, folhas
e a névoa dos namorados.
À superficie das coisas o pó
aquietado da vida, a poalha dos impropérios
da castiça, o fumo do monte branco
a coroar, à hora da bica, a ave da juventude
que assobia canções combatentes.
Muita coisa começou assim, um punhal
a esmagar os sonhos, uma pedra a torcer
o primeiro amor contra o mundo.
Mais tarde, é sempre mais tarde, a morte
de amigos cuspiu de mim toda a cidade,
as ruelas que iam para o fontelo
escureceram também para sempre.
O silêncio, como o inferno, começa sempre
com os outros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário