Peliano costuma brincar que a poes-ia e foram os poetas que a trouxeram de volta! Uma de suas invenções mais ricas é conseguir por em palavras lirismos maravilhosos, aqueles que percebemos de repente e temos a impressão que não vamos conseguir exprimi-los. Exemplos: de Manoel de Barros -"Deixamos Bernardo de manhã em sua sepultura. De tarde o deserto já estava em nós"; de Ernesto Sabato - "Sólo quienes sean capaces de encarnar la utopía serán aptos para ... recuperar cuanto de humanidad hayamos perdido"; de Thiago de Mello - "Faz escuro mas eu canto"; de Helen Keller - "Nunca se deve engatinhar quando o impulso é voar"; de Millôr Fernandes - "Sim, do mundo nada se leva. Mas é formidável ter uma porção de coisas a que dizer adeus". É como teria exclamado Michelangelo que não fora ele quem esculpiu Davi, pois este já estava pronto dentro da pedra, Michelangelo apenas tirara-o de lá. Então, para Peliano, o lirismo é quando nos abraça o mundo fora de nós, cochicha seu mistério em nossos ouvidos e o pegamos com as mãos da poesia em seus muitos dedos de expressão.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Eudoro Augusto

 

Despertar

O telefone é um susto.
Do outro lado da linha
Alguém articula um bom-dia
rouco de pedra.
Engano
Eu não moro mais aqui

Disciplina

Justamente porque a história da minha vida
mais parece um quarto desarrumado
não quero morrer no meio desta desordem.
E assim antes de se matar
Lídia Helena sacode o tapete
estica os lençóis e o edredon
guarda no armário as roupas íntimas
espalhadas sobre o sofá.
O gato assiste a tudo lambendo as patas
em movimentos lentos e regulares.

Ana C

Outra vez nos braços do amor perdido.
Sempre o declive. Sempre a vertigem.
Ás vezes o abismo.
Posso inflar
as velas de outra imagem
e assim navegar teus canais azulados,
minha lúcida amiga.
No céu-da-boca desta manhã
fica apenas um risco:
relâmpago longo como o olhar.
Luz. Outra luz. Louca luz.
O mesmo anjo que beija tua orelha fina
invade o cinema como um vento fictício

Abril

Não tenho mais olhos
pra enfrentar a claridade de abril.
Não tenho mais ouvidos
pra escutar você me dizer
que o amor não tem direito a sinceras desculpas
ou que o ódio não precisa de texto.
Não tenho mais saco
pra passar a vida pensando o inexplicável
ou tentando afastar um sentimento~
lento demais para ser verdadeiro.
e rabisca cicatrizes bem legíveis
no coração deserto do meio-dia.

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